O Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde de Farmanguinhos informa, com pesar, a perda (07/10/15) do professor Angelo Cunha Pinto, aos 66 anos de idade. Cunha foi um grande colaborador da ciência no Brasil e atuava como químico,bolsista de produtividade em pesquisa 1A do CNPq e professor titular do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Doutor em química orgânica pela UFRJ, o professor era grande especialistas em química de produtos naturais e recebeu vários prêmios ao longo de sua carreira, entre eles, a mais alta honraria concedida pelo Governo Federal na área de ciência e tecnologia, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, pela Presidência da República em 2004.

Angelo Cunha iniciou sua carreira como pesquisador nos laboratórios da UFRJ, em 1976, em um núcleo de pesquisa de produtos naturais, com a busca de novos medicamentos. Após uma oportunidade de viagem de dez dias acompanhando o paisagista Burle Marx, decidiu ser químico de plantas.

A família e amigos prestamos nossos sentimentos e solidariedade neste momento.

 

Angelo Cunha por ele mesmo

 

OPERÁRIOS DAS CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS: PROFESSOR ANGELO DA CUNHA PINTO

Infância de menino de bairro, sem ficar mais tempo na rua, porque os pais, imigrantes portugueses, obrigavam ao trabalho diário. Horas livres só para as missas dominicais, para o tempo de escola e obrigações escolares. Os livros eram o melhor álibi para não trabalhar no comércio dos pais.
A entrada na universidade foi a carta de alforria. Nada melhor do que mostrar aos pais um diploma de nível superior.

Estes, como bons portugueses, desejavam um filho médico, porque padre era certo que não teriam. Mas como ser médico com todo aquele medo de sangue? Vermelha, só a cor das anilinas... O jeito foi enganar os pais e prestar concurso para a faculdade de Farmácia.
    
Na época, a Escola de Farmácia tinha tradição em química orgânica, que permanece até hoje.

Era 1968, o planeta fervilhava. O mundo abria suas portas para um jovem de 19 anos. Podia-se escolher a porta da frente ou a dos fundos. Política, cinema e outros prazeres eram o cotidiano dos universitários. A dúvida para seguir uma carreira de ator de teatro, iniciada na Escola Villa Lobos na Praia do Flamengo, levou à conclusão do curso, e ao ingresso imediato na pós-graduação do Instituto Militar de Engenharia, recém-criada.

Com o fim do Mestrado veio o convite para trabalhar no Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e a concretização do sonho de ser Professor universitário. O convite para trabalhar no NPPN foi feito pelo Dr Richard Pinchin um dos membros da Banca de Mestrado, no dia da defesa da dissertação.

As discussões científicas no NPPN se iniciavam nas manhãs das segundas-feiras no laboratório e se prolongavam nos encontros no bar da Praia Vermelha, depois do jogo de futebol das sextas-feiras. Respirava-se Química. As toalhas de papel das mesas nos finais de noitada terminavam repletas de formulas e de equações químicas. Muitos projetos de dissertações de mestrado foram gerados nessas reuniões. Naquela época o NPPN só tinha o Curso de Mestrado.

Em l986, veio a transferência para o Instituto de Química, e o começo de uma nova fase, primeiro como Diretor Adjunto de pós-graduação do Instituto. Foi preciso sair do NPPN para despontar como pesquisador. Em 1993, aprovado no concurso para Professor Titular. A UFRJ depois de 20 anos dava início aos concursos para os cargos de Titular. Eleito, em 2000, Diretor do Instituto de Química, fechou-se um grande ciclo iniciado em 1986. Em 1984 ocorreu a eleição para a vice-presidência da Sociedade Brasileira de Química, e em 1986 para a sua presidência.
Nestes anos de atividade cientifica ininterrupta o convívio diário com os orientandos de Mestrado, Doutorado e Iniciação Científica proporcionaram grandes alegrias.

Foram mais de sessenta orientações entre mestrados e doutorados, e mais de 100 de Iniciação Científica. Com cada orientando mais foi aprendido do que ensinado. Gratificante é ter a certeza de que muitos serão melhores do que o mestre. Neste mais de 30 anos de carreira universitária foram publicados quase 300 artigos científicos, depositadas várias patentes e redigido vários capítulos de livro, publicados no Brasil e no exterior.     
O reconhecimento veio atrav és de inúmeros prêmios e distinções, como a Comenda Nacional da Ordem do Mérito Científico, em 1998, e a promoção, em 2004, para a classe Grã-Cruz, e o Diploma de Amigo do Instituto Militar de Engenharia, em 2007. Muitas outras distinções acadêmicas foram recebidas.

As linhas de pesquisa de interesse se estendem desde vários domínios da Química Orgânica à História da Química no Brasil. Mas, a grande paixão continua sendo a Química de Produtos Naturais. Para conhecer os segredos e os mistérios das plantas é necessário conhecer o seu metabolismo secundário. Isto significa descobrir as suas micromoléculas e os seus papéis na vida dos vegetais.

Um dos grandes prazeres é a editoria do Journal of the Brazilian Chemical Society. Participar desde a sua criação ao seu estágio atual como um dos principais periódicos da América Latina é motivo de grande orgulho. É um exemplo de que vale a pena se dedicar de corpo e alma àquilo que se faz.

As influências na universidade foram muitas, mas as mais marcantes foram as dos Professores Afonso do Prado Seabra e Raimundo Braz-Filho.
Com estes mestres muito foi aprendido. Seabra e Braz como hoje os chamo, foram dois exemplos distintos e com características diametralmente opostas. De cada um herdei genes diferentes.Em todos estes anos se aprende todos os dias, principalmente com os mais “velhos”. Como não admirar professores do quilate de Nuno Álvares Pereira, Aïda Espínola, Adelina Costa Neto...     
N ão se pode deixar de mencionar as amizades feitas na universidade que perduram até hoje com os também professores Eliezer Barreiro, Vitor Francisco Ferreira e inúmeros outros amigos.

Este resumo biográfico termina com a constelação MMM - Maria, Mariana e Manuel, e a certeza de que com eles a vida é ótima e mais fácil, pena que seja uma só. Se outras houvesse, a opção seria estudar Química, relicário que guarda o segredo da vida. A vida se renova todos os dias, por isso é bela, basta vê-la e senti-la através de um sorriso infantil.     
Este prazer se renova todos os dias ao ver Alice, a mascote da turma, acordar todos os dias com um grande sorriso no rosto para anunciar o grande milagre da exist ência.

 Autoria: Prof. Angelo da Cunha Pinto

Fontes: Portal dos Fármacos e Portal CNPq