Por: Alexandre Matos e Denise Monteiro
O desenvolvimento de um medicamento da biodiversidade é um processo longo e complexo, que passa por inúmeras etapas. Além do fator relacionado à saúde, existem outras questões de cunho social e ambiental que devem ser consideradas. Com o objetivo de debater esses pontos, as RedesFito em parceria com o Instituto Senai de Inovação em Química Verde promoveram o 1º Seminário Internacional das RedesFito: inovação e biodiversidade na perspectiva da sustentabilidade, realizado de 19 a 21/10, no Rio de Janeiro.
Organizado pelo Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde (NGBS) de Farmanguinhos, o evento teve o apoio do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), da Fundação Oswaldo Cruz através da Vice-Presidência de Ensino Informação e Comunicação e do Centro de Relações Internacionais em Saúde. O Seminário reuniu pesquisadores, estudantes, agricultores, representantes de universidades, de institutos de pesquisa, de órgãos governamentais, da sociedade civil e da indústria, que discutiram desenvolvimento sustentável, dinâmica da inovação e a criação de uma Rede de Inovação da Biodiversidade (RIB).
“A compreensão dos conceitos que envolvem a inovação em medicamentos da biodiversidade, permite vislumbrar o potencial do Brasil em liderar as iniciativas de construção de um novo caminho para o desenvolvimento de medicamentos, pelo fato de ser um país megadiverso”, frisou o coordenador do NGBS, Glauco Villas Bôas.
Diante dessa pluralidade, Glauco ressaltou a importância das RedesFito, um Sistema Nacional de Redes do Conhecimento, voltado para a Inovação em Medicamentos da Biodiversidade, organizado no ano de 2009, pelo NGBS/ Farmanguinhos/Fiocruz. O trabalho das Redes integra os diversos atores da cadeia produtiva, engajados neste processo que envolve promoção da saúde, ciência e tecnologia, além de desenvolvimento social.
“As redes são articuladas a partir de arranjos ecoprodutivos locais identificados nos diversos biomas brasileiros. É neste espaço compartilhado por pessoas ligadas às universidades, aos institutos de ciência e tecnologia, empresas, comunidades tradicionais, agricultura familiar, terceiro setor e governo que ocorre a geração do conhecimento que permite avançar na inovação em medicamentos da biodiversidade a partir de ações práticas desenhadas em projetos estruturantes”, explicou o coordenador do NGBS.
A compreensão dos conceitos que envolvem a inovação em medicamentos da biodiversidade, ou seja, em medicamentos que se originam a partir das diversidades: de espécies, genética e ecossistêmica nos permite constatar que mais de 50% dos medicamentos que compõem o atual mercado bilionário tiveram seu desenvolvimento a partir de moldes de origem vegetal e animal. Esta compreensão permite ainda vislumbrar o potencial do Brasil em liderar as iniciativas de construção de um novo caminho para o desenvolvimento de medicamentos por ser um país megadiverso.
Participaram da mesa de abertura do evento a Coordenadora Geral de Pós-Graduação da Fiocruz, Maria Cristina Gilam; a Vice-Diretora de Ensino Pesquisa e Inovação do Instituto de Tecnologia em Fármacos/Farmanguinhos/Fiocruz, Erika Martins de Carvalho e o Coordenador do Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde de Farmanguinhos/ Fiocruz e coordenador da Rede de Inovação em Medicamentos da Biodiversidade.
O evento foi aberto pela a vice-diretora Erika de Carvalho, que ressaltou a necessidade de interação entre as diferentes esferas da sociedade para o fortalecimento de PD&I no Brasil. "Passamos por diversos percalços nos últimos anos em relação a problemas regulatórios, e muitas vezes deixavam nossos pesquisadores desmotivados, mas é preciso continuar, é preciso discutir", salientou Erika.
Glauco Villas Bôas, Maria Cristina Guilam e Érika Martins
"Hoje estamos dialogando sobre a importância de bioprodutos para a economia nacional. O setor empresarial, por sua vez, ainda tem muitas restrições por conta do alto risco no investimento nessas áreas. Sabemos que é muito complexo, é um caminho árduo para conseguirmos efetivamente um produto. Mas é preciso investir. É preciso dizer que o Brasil, apesar de tamanha biodiversidade, de tamanho avanço científico, só tem um único produto de origem vegetal. Quando comparamos as indústrias cosmética e farmacêutica, a de cosméticos tem tantos produtos de origem natural e pode ser uma inspiração para nós continuarmos", salientou a vice-diretora.
Capitalismo e o impacto da crise econômica
O seminário contou com a presença de profissionais de todos as regiões do Brasil e foi enriquecido com a presença do economista francês François Chesnais. Um crítico do sistema capitalista que, segundo ele, inventa necessidades de consumo que esgotam as riquezas naturais. “Estamos caminhando para o abismo graças ao que o capitalismo criou. Há hoje excesso de produção, que só termina quando acumulação e produção estiverem completamente satisfeitas. No entanto, o capitalismo tem dificuldades de satisfazer essas duas condições”, criticou.
Chesnais frisou que a crise econômica, outrora restrita à Europa, desta vez é mundial e traz novas particularidades. “Ela se esgueira, é perigosa, aflige os ecossistemas. O esgotamento dos recursos naturais não renováveis, ou lentamente renováveis, vão propagar a crise e suas consequências para o desenvolvimento social”, alertou o economista.
Desenvolvimento em saúde
Há anos Farmanguinhos, por meio do NGBS, vem discutindo o enfrentamento dos desafios para se chegar a um medicamento com origem na biodiversidade brasileira, de modo que os mecanismos sejam ambientalmente sustentáveis e socialmente apropriados. Legislação mal elaborada, fragilidade regulatória e falta de estímulo industrial são alguns dos entraves, que ganharam o reforço da crise econômica.
Para o coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), Carlos Morel, diante deste cenário, o trabalho integrado é o ideal. “Se não trabalhar em rede, teremos poucas chances de avanço”, apontou. Com as intervenções atuais, ele afirma que a maioria das metas para a área da saúde não será alcançada. Em relação ao papel das RedesFito propondo iniciativas de desenvolvimento de medicamentos da biodiversidade, Morel faz uma avaliação positiva, sem deixar de alertar os desafios.
“Eu acho que vocês (RedesFito) estão no centro do debate muito importante. Vocês estão desenvolvendo saúde, estão tendo acesso a uma biodiversidade fantástica. A inovação é necessária. Estamos trabalhando numa área sensível, importante e prioritária. Mirem alto, porque inovação não é coisa simples, é algo custoso e, diante da crise financeira na qual o Brasil se encontra, é um desafio ainda maior. Mas é algo que vale a pena acreditar”, estimulou. “Neste momento, por exemplo, a fase 3 de um estudo com medicamento para tuberculose custa 70 milhões de dólares, que está sendo financiado em dez países”, concluiu.
A ausência de uma política voltada especificamente para o desenvolvimento industrial mais amigável ao ambiente foi também criticada pelo especialista José Eli Veiga, professor de Engenharia Ambiental da Universidade de São Paulo (USP). “Sou muito crítico do caminho que o desenvolvimento brasileiro seguiu, principalmente nas últimas décadas. O que a gente fez no Brasil foi uma verdadeira calamidade. Um exemplo concreto é o apoio e subsídio às energias fósseis fundamentalmente através da manutenção do preço da gasolina”, observou.
Carlos Morel, Alaíde Braga e José Eli da Veiga
O tema desenvolvimento sustentável possível permeou grande parte do Seminário. Após as conferências de Chesnais e José Eli Veiga, prosseguiram com o tema em suas conferências, o coordenador da Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal, Spartaco Astolfi Filho, que apresentou a formação e o trabalho da Rede de Biotecnologia- Bionorte. Em seguida o coordenador do NGBS/FARMANGUINHOS/FIOCRUZ e coordenador da Rede de Inovação em Medicamentos da Biodiversidade- RedesFito, Glauco Villas Bôas, em uma contextualização histórica, apresentou a evolução das RedesFito e os serviços que podem ser disponibilizados para seus integrantes.
- Spartaco Astolfi Filho
- Glauco Villas Bôas
A importância da Ciência Aberta para a divulgação do conhecimento e o fortalecimento da inovação em medicamentos da biodiversidade também foi tema do Seminário. Quem abordou este assunto foi a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Informações em Ciência e Tecnologia, Sarita Albagli, apresentando a palestra Ciência Aberta e Desenvolvimento Sustentável.
Sarita Albagli
Casos de sucesso de projetos parceiros das RedesFito
O desenvolvimento de medicamento da biodiversidade está indiscutivelmente atrelado ao conhecimento tradicional. Neste caso, durante o encontro, foram apresentados dois projetos que vêm sendo executados com o apoio das RedesFito: um no extremo sul da Bahia, e outro no município de Itapeva, no interior de São Paulo.
O projeto do estado nordestino tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento sócio ambiental e sanitário em nove comunidades agrícolas locais, visando a inserção de plantas medicinais em sistemas produtivos agroflorestais, bem como a estruturação de um monitoramento das condições de vida e saúde nessas comunidades.
“Saúde popular e agroecologia é um projeto com atividades em nove comunidades de três municípios da Bahia: Prado, Teixeira de Freitas e Alcobaça. Das comunidades envolvidas no projeto, sete estão ligadas ao MST (Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra) e outras duas são comunidades tradicionais”, explica Sandra Magalhães Fraga, bióloga da Plataforma Agroecológica em Fitomedicamentos de Farmanguinhos.
Sandra explicou que o conhecimento científico levado pela Fiocruz foi aliado ao saber tradicional dos moradores locais, denominados sábios guardiões do conhecimento. “É importante fortalecer esse conhecimento, uma vez que é preciso pensar na validade da matéria-prima, do desenvolvimento. Então, nós temos que agregar”, ressaltou.
No total desse processo de resgate e valorização do conhecimento popular, a bióloga explicou que foram catalogadas 500 etnoespécies de plantas e 3 mil citações de usos. “Além disso, foram selecionadas 132 espécies que serão plantadas numa área demonstrativa da escola do conhecimento popular, que é um centro de formação local”, frisou. Segundo ela, a seleção foi feita pelos sábios guardiões do conhecimento (180) a partir de critérios como o tipo de plantas que eles gostariam de ter cultivadas em seus quintais, forma de uso, e para quais doenças elas servem.
Outro projeto de sucesso é o de Itapeva, no interior paulista. Patrícia Apolinário falou sobre as conquistas de sua cooperativa, que existe desde 1996, mas em 2009 conseguiu o status de instituição a partir da parceria com as RedesFito.
“A Cooplantas é constituída por 32 mulheres que trabalham três dias por semana no campo, com produção, cultivo, processamento, além da parte administrativa. Atualmente, contribuímos com 14 espécies de plantas que são usadas nos postos de saúde aqui da região”, explicou Patrícia que é presidente da Cooplantas.
Sandra Magalhães, Fátima Checheto e Patrícia Apolinário
Assembleia socioanalítica
O último dia do encontro foi dedicado à realização da Assembleia Socioanalítica, conduzida pelos franceses Christiane Gillon e Patrice Ville da Universidade Paris 8. O objetivo da Assembleia foi tratar da transformação das RedesFito diante das novas propostas apresentadas no seminário para atender a proposta de inovação cenário de transição para o desenvolvimento sustentável.
Nessa dinâmica, os participantes (palestrantes, organizadores e plateia) fazem suas colocações, sejam perguntas, dúvidas e reflexões a respeito dos temas que foram discutidos ao longo do seminário. Na assembleia estas questões são discutidas com o objetivo de propor soluções para as questões mais relevantes, e que podem ser resolvidas de forma mais objetiva. Os participantes, juntamente com os parceiros das RedesFito, vão buscar soluções para essas questões de extrema relevância para a manutenção do conhecimento, para a sustentabilidade ambiental e para a proposta de inovação.
Assembleia Socianalitica
A Rede de Inovação da Biodiversidade
Durante o Seminário discutiu-se além da dinâmica da inovação a criação de uma Rede de Inovação da Biodiversidade (RIB),com a proposta de estabelecer serviços para o desenvolvimento tecnológico de produtos da biodiversidade. No escopo desta rede, incluem-se, além do setor farmacêutico, os setores de cosméticos, corantes, alimentos, defensivos agrícolas. A Rede RIB apresentou alguns dos serviços que estão disponíveis pelos seus parceiros.
- Antônio Fidalgo (SENAI de Inovação em Química Verde)
- Luiz Fernando Mendes (Bioativos Naturais)
- Cristina Roppke (Phitobios)
- João Calixto (Universidade Federal de Santa Catarina)
- Paulo Coutinho (SENAI de Inovação em Biossintéticos)
- Eduardo Roxo (Atina Ativos Naturais)
Trabalhos científicos submetidos no Seminário
Dos 34 trabalhos submetidos, 12 foram aprovados para apresentação em e-pôster durante os três dias de seminários. Eles serão publicados na Revista Fitos em um número temático sobre a Inovação e biodiversidade na perspectiva da sustentabilidade. Confira aqui os 12 estudos aprovados.