Um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e estrangeiros revelou que um metabólito secundário do jaborandi, a epiisopiloturina, poderá servir como princípio ativo para combater a esquistossomose. Dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que a doença afeta quase 240 milhões de pessoas, sendo a verminose que mais mata no mundo. A pesquisa tem participação da professora do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, Yvonne Primerano Mascarenhas, e da pós-doutoranda, Ana Carolina Mafud que tem bolsa vinculada ao Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Além do IFSC, participam do estudo a Universidade Federal do Piauí (UFPI), o Instituto de Química (IQ) e o Instituto de Física (IF) da USP, a 7 Anidro do Brasil Extrações S.A. e Bruker BioSpin GmbH (Alemanha).
A pilocarpina, substância extraída das folhas do jaborandi, já é utilizada para o tratamento de glaucoma. Nas plantações de jaborandi localizadas no Piauí, a empresa Centroflora (unidade Parnaíba) faz a extração da pilocarpina para posteriormente vendê-la a indústrias farmacêuticas. Tal processo gera uma grande quantidade de resíduos, que não tem local ideal para descarte.

Foi a partir desse problema que pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Biodiversidade e Biotecnologia (Biotec), da Universidade Federal do Piauí (UFPI), resolveram analisar os resíduos com o intuito de encontrar alguma molécula ativa que pudesse, eventualmente, ser aproveitada. Eles descobriram que 70% dos resíduos eram compostos pela epiisopiloturina, substância capaz de matar o Schistosoma mansoni, parasita causador da esquistossomose em modelos animais.
A partir de uma parceria entre o IFSC e o Biotec, coordenado pelo professor da UFPI José Roberto de Souza de Almeida Leite, a professora Yvonne Mascarenhas foi escolhida para resolver a estrutura cristalográfica da epiisopiloturina. Já a pós-doutoranda Ana Carolina auxiliou nos planejamentos dos ensaios in vivo feitos pelo professor do Núcleo de Pesquisa em Doenças Negligenciadas da Faculdade de Ciências de Guarulhos (FACIG), Josué de Moraes.

 

Testes realizados

Eles fizeram análises térmicas para verificar eventuais alterações na estrutura da molécula da epiisopiloturina, e de pKa (pH no qual a estrutura é neutra), para ter a garantia da não toxicidade da epiisopiloturina aos organismos vivos.
As análises iniciais mostraram que não houve alteração de estrutura e a não toxicidade da epiisopiloturina, a segunda etapa foi realizada com testes em roedores. “Administramos o medicamento via oral nos roedores para incluir a passagem da substância pelo estômago e fígado deles antes de chegar ao intestino e, finalmente, à corrente sanguínea. Constatamos que a substância não causou danos aos órgãos”, ressalta Ana Carolina. A não toxicidade aguda foi realizada em colaboração na Faculdade de Medicina da Universidade de Brasilia (UnB), pela pesquisadora Selma Kucklhaus.


Outra parceria do trabalho foram os experimentos de Microscopia Eletrônica de Varredura, realizados pelo pesquisador Peter Eaton, Pesquisador Visitante Especial (PVE-CNPq) ligado ao Biotec e investigador da Rede de Pesquisa Requimte da Universidade do Porto (Portugal).

Eaton apontou alterações causadas no tegumento do parasita retirado do fígado dos roedores quando tratados com o farmoquímico epiisopiloturina. Isso demonstrou ação direta sobre o parasita no organismo do hospedeiro. Atualmente, o único fármaco utilizado contra esquistossomose é o Praziquantel. Porém o medicamento oferece algumas desvantagens. A primeira delas é ser eficaz apenas contra os vermes adultos da doença.
“Outro problema do Praziquantel é ser administrado em dose única e o ciclo de vida do Schistosoma é de 56 dias. Portanto, para eliminar o verme do organismo completamente, o infectado precisa de retratamento, que é danoso ao fígado. A epiisopiloturina, por outro lado, além de não tóxica ao organismo, é eficaz contra vermes jovens e adultos do Schistosoma mansoni“, explica Ana Carolina.

Ela diz ainda que a maioria das pesquisas, que têm como foco a esquistossomose, visam à prevenção e não ao tratamento da doença. “Basta pesquisar no site da Organização Mundial da Saúde [OMS] para ver que o tratamento e controle da esquistossomose são feitos somente pela administração do Praziquantel. Existem muitos pesquisadores que estudam a produção de vacinas contra a esquistossomose, mas não em relação a pessoas já infectadas”.
Novas etapas - No estudo teórico sobre a epiisopiloturina, disponível em artigo publicado na revista Plos Neglected Tropical Deseases, foi verificado que a molécula não causa qualquer tipo de mutação gênica.Porém, a substância não é perfeita, para ter o efeito desejado, a epiisopiloturina precisa ser ministrada em altas concentrações o que a torna desinteressante a laboratórios farmacêuticos que preferem a produção de medicamentos em pequenas concentrações.

Para sanar esse problema, os pesquisadores do estudo conseguiram apoio do Sistema Único de Saúde (SUS) para financiar parte do projeto. Assim, o próximo passo da pesquisa é desenvolver um fitoterápico a partir da epiisopiloturina. De acordo com Ana Carolina, serão realizados testes in vivo com animais de maior porte e análise da insolubilidade da epiisopiloturina em água.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IFSC